PALAVRAS DE SEDA

Escrever passou a ser necessidade diária, como a respiração mantém o corpo vivo, o ato de escrever mantém minha alma solta para trafegar pelo mundo dos sonhos.
Ao me deixar levar pelas palavras visualizei novo horizonte e criei asas. Voei.
Em vinte anos escrevi dezenove livros em vários estilos: conto, crônica, poesia, romance e biografias.
Alguns de meus livros biográficos foram livremente inspirados para o cinema e TV. Ganharam prêmios.
O importante é continuar escrevendo, registrando histórias e estórias para que a memória não se perca no mundo digital.
De tanto escrever biografias resolvi deixar o registrado meu ensaio biográfico cujo viés é meu Anjo da Guarda. Pode parecer um pouco estranho, porém é bem real. Por isso, acesse também o meu blog "Os Anjos não envelhecem", eu disponibilizei meu livro na íntegra, onde constam fotografias e documentos. O livro físico está esgotado.
Viaje através das palavras. Bem-vindo (a).

















































































































quarta-feira, 24 de novembro de 2010

ÁRVORES ESPECIAIS EM TODOS OS TEMPOS!

Carvalho

Árvores são especiais em todos os tempos, no tempo presente... e no passado. A lembrança de uma árvore traz raízes escondidas no subsolo da mente, aponta verdades esculpidas em galhos, rotinas em forma de folhas, alegrias em flores e o fruto doce da conquista.
Assim foi para Monteiro Lobato dia 30 de julho de 1918 ao procurar no presente suas árvores do passado. Ele que viveu durante boa parte da década de 1910 na fazenda São José do Buquira, tinha saudade de umas poucas árvores, e elas não estavam ali, naqueles dois mil alqueires de terra da fazenda, estava, sim, nos dois mil alqueires de lembranças do Minarete. Ao deixar a fazenda em mudança para São Paulo, Lobato quis rever sua antiga casa, onde junto com ele se alojavam os sete colegas de faculdade. Junto com Oswald foi em busca do Minarete, lugar que não via desde sua formatura. Encontrou a casa recém pintada, sem mudanças aparentes na edificação, aliás, em carta para um dos amigos que ali com ele morou – Godofredo Rangel - não citou muito a casa. O seu olhar penetrante de pena e tinta foi direto para a árvore na frente do Minarete: o carvalho. “O carvalho da entrada, maior; mas sempre sentimental e poético, mormente agora que se despede das ultimas folhas amarelas”.
Um privilégio para o tino audaz de quem durante muitos anos conviveu com a árvore. Monteiro Lobato mostrou ciência a respeito dos sentimentos desse carvalho. Tanto que continuou: “Os carvalhos conservam os seus hábitos europeus, ainda não aprenderam o mau costume das árvores indígenas, de se conservarem verdes o ano inteiro – essa monotonia que desespera os pintores”... e aí podemos dizer que desespera também os escritores. Nada mais justo para um artista, seja ele das letras ou do pincel e tintas, do que a quebra da monotonia, o fazer-se novidade, como as trocas de vestimentas de uma árvore. E, aquele carvalho do Minarete comungou durante vários anos sua roupagem com os jovens escritores que dentro daquele chalé, incrustado em uma rua repleta de árvores, souberam pegar suas “borboletas de asas de fogo” sem medo de sofrer, com a certeza de que o mundo precisava de inovações. Criaram até mesmo um jornal interno chamado Minarete.


Jornal Minarete

Ali, depois de tantos anos, diante daquela casa estilo chalé que lindamente brilhava em roupagem nova, pois estava recém pintada, Lobato viu algo desastroso no entorno da edificação: “Aquela rua de pinheiros, que ia do portãozinho à avenida do bonde da Penha lá embaixo, já não tem pinheiros, nem é de terra e matinhos marginais, está sórdida, infamemente calçada de paralelepípedos e compactamente edificada dos dois lados”, deixou em carta seu desapontamento pelo desaparecimento dos pinheiros e das sebes de espinheiro que havia atrás das árvores. Continuou afirmando que a “cidade” chegou ao Minarete, apossou-se do lugar, matou a paisagem, “virou uma coisa reles”, tornou-se uma rua. O terreno em volta do Minarete ficou pequeno, vendido para homens “miseráveis bípedes que destroem as paisagens com a sua mania de construir casas”. Porém uma alegria conduz a alma para a satisfação, uma luz ainda brilha, o chalé amarelo, ficou em pequeno terreno, mas persistiu, resistiu e insistiu em ser Minarete, sem os pinheiros, sem a paineira, e mesmo assim, persistiu. Monteiro Lobato colocou essa situação como se fosse o milagre de um físico viver sem a alma. Tornou-se para ele um símbolo. A resistência de um grupo de estudantes que sonhavam em mudar o mundo com uma Literatura vanguardista para a época, jovens que lutavam pelo mesmo ideal, que ali, naquela república, souberam agregar valores, tornaram-se um só, tanto que depois da separação física, cada havia seguido carreia em determinados pontos diferentes desse país, continuaram se comunicando.
O mistério do Minarete, aquele chalé amarelinho estar ainda de pé, foi desvendado por Lobato ao desabafar ao amigo Rangel  de que a “Alma do Ricardo, de marreta em punho, escorando, detendo a invasão urbana”. Ricardo esse poeta tão bem quisto pelos colegas... foi ele que logo no primeiro dia em que chegou naquela república, indo à sacada “encanta-se com a vista agreste, com o coqueiro ao lado e a paineira à esquerda”, ficou tão feliz que exclamou: “Mas é uma torre Rangel! Veja que amplidão de vista se descortina! Uma torre – um Minarete!...” e assim, foi batizado o lugar. Ricardo faleceu ainda jovem, para descontentamento de seus colegas do Minarete, os quais nunca o esqueceram, sempre citado em cartas, mesmo depois de décadas de seu falecimento.


Aquarela onde consta o Minarete, feita por Monteiro Lobato.


Tenho Monteiro Lobato como um ícone ambientalista. Sei que muitos não o entenderam e alguns ainda não o entendem. Ele é a bússola que norteia a maioria dos escritores nacionais. Desmerecê-lo, rotulá-lo com adjetivos piegas é mostrar insuficiência literária, sem aprofundamento bio/biográfico a respeito desse maravilhoso mestre da alma.

Hoje estou escrevendo esse texto com muita dor no coração, acordei quase de madrugada ao raiar o dia, com barulho de motor na esquina, fiquei na cama tomando consciência do que seria aquilo, provavelmente um motoqueiro fazendo farra... mas tinha de ser aquela hora da manhã? Dali quase uma hora parou o barulho. Saí de casa. Para meu espanto uma linda e antiga árvore, exótica, tanto que nem sei o nome, foi cortada com moto serra, para dar lugar à não sei o quê, bem na entrada de um condomínio novo, recém construído, na esquina de casa. Havia lugar suficiente para entrada e saída de carros mesmo com a árvore, agora... agora há um toco de árvore que de tão grande não sei como farão para removê-lo da terra. Só sei que está na hora de sair daqui, antes que os “bípedes” que tudo podem, consigam urbanizar o Banhado joseense, área de proteção ambiental, em frente onde moro, pelo que estou vendo... vão conseguir! Eu... que amo as árvores, estou em prantos!

Á direita, árvore cortada para empreendimento urbano.


Rita Elisa Seda
Cronista, poeta, biógrafa, fotógrafa e jornalista.

Os textos em negrito são do livro A Barca de Gleyre, 2º Tomo, Quarenta anos de correspondência literária entre Monteiro Lobato e Godofredo Rangel.

9 comentários:

Silvinh@ disse...

Oi, Rita Elisa!!!
Seus textos são demais, Amiga!!! Além dos sentimentos, que você expressa, nas suas palavras, são instrutivos...Aprendo muiiiiiiiito.
Rita Elisa é cultura!!! rsrsrsrsrs
Grande Ambientalista; Monteiro Lobato. Eu desconhecia o Mistério do Minarete...
Esta frase soa forte demais:
"homens miseráveis bípedes que destroem as paisagens com a sua mania de construir casas”.
Puxa, Rita Elisa!!! Que tristeza ao ver esta árvore, da rua de sua casa, ser cortada... Sinto muito!!!Infelizmente é o homem mais uma vez agindo pelo impulso, e pela ambiação...O possuir, o ter, toma conta totalmente de suas ações. Que futuro almejamos, desejamos, para nós, nossos filhos, netos, enfim...com atitudes tão erradas???Nossa casa pede socorro. Nós seres humanos estamos vendo nosso mundo morrer aos poucos e não estamos fazendo nada...Pensamos que ele é fonte inesgotável de vida, mas ledo engano; vivemos a nossa vida, e milhões não fazem ideia do mal que atos pequenos e simples como o corte de uma árvore, numa rua de uma cidade, prejudica nosso Planeta.
Tudo em prol, em nome do progresso; melhorias de nossa comodidade e o mais atroz, a ganância pelo poder, pelo ganho de milhões em extermínio de árvores, matas, animais, rios e porque não dizer nosso próprio ar.
Está na hora de um BASTA. Todos, sem exceção, têm de cair na consciência que este mundo não é uma mina de sobrevivência, e sim a nossa sobrevivência. E que se continuar a ocorrer atrocidades como acontece há anos, não haverá futuro para os filhos e netos que vivem e que estão por nascer.
Mais uma vez, Parabéns querida Rita Elisa, por tão belo texto!!!

Beijos, forte e carinhoso abraço!!!

Sua Sempre Amiga...Silvinha

Inajá Martins de Almeida disse...

Rita querida
Maravilhoso seu texto. Falar de Monteiro Lobato é trazer à lembrança nossos mais belos retalhos num sítio em que os pica-paus são amarelos e uma boneca de pano pode falar. É um universo do fazer de conta, em que se faz tanta conta.

Inajá Martins de Almeida disse...

Rita querida amiga de horas infindáveis, adoráveis, incotáveis. Emocionou-me muito seu texto. Amo Monteiro Lobato, com ele nos aventurávamos em seu Sítio, juntamente com seus personagens. Emília nosso ícone. Que bom que ele estivesse farto da escrita para marmanjos: "ando com idéias de entrar para esse caminho: livros para crianças. De escrever para marmanjos já me enjoei. Bichos sem graça! Mas, para crianças, um livro é todo um mundo... Tenho em composição um livro absolutamente original - Reinações de Narizinho -... Estou gostando tanto, que brigarei com quem não gostar. Estupendo Rangel! E os novos livros que tenho na cabeça são ainda mais originais. Vou fazer um verdadeiro rocambole infantil, coisa que não acaba mais" (pág. 49). Não me canso de ler as passagens, as quais extraí do livro Monteiro Lobato: o editor do Brasil de Cassiano Nunes, editado pela Contraponto em parceria com a Petrobrás em 2000. Em outro trecho fala de descaso por aqueles que serão o futuro desta nação: "uma coisa sempre me horrorizou: foi ver o descaso brasileiro pela criança, isto é, por si mesmo, visto como a criança não passa de nossa projeção para o futuro... (pág. 48). Seus textos são atualíssimos, tanto que: "Fala-se em Pátria, hoje mais do que nunca. Jamais o dispêndio de hinos, versos, conferências, artigos, livros, boletine e discuros foi maior. Mas, no fundo de tudo isso, está a retórica vã, a mentira, a ignorância das verdadeiras necessidades do país. Programa patriótico, e mais que patriótico, humano, só há um: sanear o Brasil" (pág. 35). Eram cartas trocadas nas primeiras décadas do século XX, mas que nos parecem muito familiares aos descasos que ainda vemos em nossos dias. Seus questionamentos, seus alertas quanto a educação ideal leva-o a conclusão de que "... antes de reformarem qualquer coisa ou proporem reformas, os mais adiantados e ilustres líderes educacionais do momento o que devem fazer é reformarem-se a si próprios, isto é aposentarem-se e saírem do caminho" (págs 53/54). "Ah! parece que se chega afinal ao começo... 436 anos para se chegar ao princípio, 436 anos de pré-história... " (pág. 54) desabafa Anísio Teixeira à Lobato, nas correspondências trocadas e registradas neste pequeno livro, mas de um estudo profundo, e tão atual. E concluo também minha indignação pelo desrespeito a natureza, as crianças, aos velhos, a educação - enfim a nós como brasileiros, mas também me consolo, quando leio e transcrevo o que nos fala o autor no referido livro "essas palavras de velhas cartas, afortunadamente conservados, pelnas de sonho, paixão e indiganação, nos revelam que não estão sós aqueles que, no Brasil, se acham determinados a criar uma pátria melhor, em que a educação substitua o primitivismo e o atraso..." (pág. 55).
Rita querida de sempre, lindo seu texto que me fez não só entrar nas linhas como fazer essas observações através da minha própria leitura pelas entrelinhas. É gratificante pensarmos num Lobato que é nosso; que segundo Godofredo Rangel "sabia dizer as coisas próprias de um modo próprio, encarando a vida e as coisas de um modo pessoal" ( pág.8)
Obrigada Rita querida por me proporcionar este momento neste seu espaço maravilhoso.

Rita Elisa Seda disse...

Silvinha, que esse mundo seja melhor em todos os aspectos. Quero ver meus bisnetos convivendo com a natureza... e não apenas com a lembrança dela. Beijos, felicidadese a paz!

Rita Elisa Seda disse...

Inajá, todos os livros escritos por Monteiro Lobato são magníficos, mas as cartas dele são espetaculares. Aprendi muito lendo com as correspondências de Monteiro Lobato a Godofredo Rangel, ao pai, a mãe, a Purezinha, a Cora Coralina, a Bernardo Elis, a Cassiano Ricardo e muitos outros. Espero que as pessoas consigam um tempo para essa leitura e, assim, fiquem a par da importância de escrever cartas. Eu sou disciplinada nisso, escrevo cartas sempre.
Felicidades e a paz!

Inajá Martins de Almeida disse...

Olá Rita minha amiga querida
Também gosto de cartas. É uma forma pura e doce de expressão. O cuidado, o zelo, a postagem. É trazer a pessoa para perto, ainda que esteja tão distante. Que tal trocarmos missivas, a despeito de tantos quantos nos inspiraram? Mário de Andrade, Monteiro Lobato... Rita Elisa e Inajá? O correio eletrônico abreviou nossas expectativas e o que demorava dias, semanas, meses, anos, chega-nos em segundos. Também não nos deixa órfãos de expectativas, pois o esperar diário pelo outro é sempre gratificante. Este espaço tornou-se constante em meu viver. E você, mesmo assoberbada pelo corre-corre jamais se priva dos cuidados necessários em responder cada comentário. Parabéns sempre. Agradeço a Deus pela nossa aproximação e peço que lhe cubra de bençãos cada vez mais.

norália disse...

Querida Rita,
embargada pela emoção, quase não pude ler seu texto.
Há um mês mais ou menos, a árvore de frente ao meu prédio teve de ser arrancada. Lá estava ela a mais de 50 anos, ameaçando nosso prédio.Foi toda uma inspiração poética para mim. Enfim, só posso dizer-lhe PARABÈNS por seu belo texto.
Abraços, saudades,
Norália

Luiz disse...
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Rita Elisa disse...

Porém, Luiz, o carvalho é uma das árvores, também. Leia na Barca de Gleyre, 2º Tomo, 9ª edição, 1959, Editora Brasiliense, São Paulo, pág. 176: "O Carvalho da entrada, maior; mas sempre sentimental e poético, mormente agora que se despede das ultimas folhas amarelas. Os carvalhos conservam os seus hábitos europeus (...)" que eu também citei no texto acima.
Inclusive Monteiro Lobato disse a Rangel logo no primeiro parágrafo dessa carta que há alguns dias ele havia ido com Oswald a procura do Minarete e encontrou o carvalho logo à entrada.