PALAVRAS DE SEDA

Escrever passou a ser necessidade diária, como a respiração mantém o corpo vivo, o ato de escrever mantém minha alma solta para trafegar pelo mundo dos sonhos.
Ao me deixar levar pelas palavras visualizei novo horizonte e criei asas. Voei.
Em vinte anos escrevi dezenove livros em vários estilos: conto, crônica, poesia, romance e biografias.
Alguns de meus livros biográficos foram livremente inspirados para o cinema e TV. Ganharam prêmios.
O importante é continuar escrevendo, registrando histórias e estórias para que a memória não se perca no mundo digital.
De tanto escrever biografias resolvi deixar o registrado meu ensaio biográfico cujo viés é meu Anjo da Guarda. Pode parecer um pouco estranho, porém é bem real. Por isso, acesse também o meu blog "Os Anjos não envelhecem", eu disponibilizei meu livro na íntegra, onde constam fotografias e documentos. O livro físico está esgotado.
Viaje através das palavras. Bem-vindo (a).

















































































































sábado, 4 de fevereiro de 2012

TESOUROS DO COTIDIANO


Viver
February 4, 2012 - 03:54

tesouros do cotidiano

Placa da Vaquinha (ÁFRICA)

Placa da Vaquinha (BRASIL)


Precisamos dar valor às 'pequenas' coisas do dia a dia. As mais corriqueiras que temos à disposição. O valor da água encanada, do fogão a gás, do pão comprado na padaria, do leite ensacado.
Ainda existem lugares onde a água tem de ser coletada longe, em um riacho ou cacimba; onde os tijolos amontoados tornam-se um belo fogão à lenha; onde não há pão pois a farinha de trigo é coisa rara e, a vaquinha, é algo surreal, fica apenas na imaginação das pessoas novas e na lembrança dos mais velhos.
Nessa lembrança dos antigos vi uma placa. Colocada à beira da estrada de terra, lá pelos confins da África, bem no coração na Terra. Uma placa triangular, de zinco (material raro e precioso para o lugar), onde pintaram uma vaquinha. Não é uma simples vaquinha. É... a VAQUINHA. Desenhada com requintes de um saudosismo inerente a um passado bem distante.
De conversa em conversa, avós contaram aos netos como era o tempo bom, quando havia plantações, fartura na mesa, animais selvagens nos campos e ainda mais... animais domésticos. Tempo de milho, de feijão, de frutas, de palancas negras, de cachorros e... é claro - de vaquinhas. A placa é a visão temporal da magia de uma época.
A vaquinha da placa parece um desenho lúdico. Algo infantil, de quem era acostumado a brincar de vaquinha, ou... acostumado a ouvir estórias a respeito de vaquinha. A vaca é projetada na folha de zinco com um traçado curvilíneo que impressiona. Nessas curvas vão sendo caracterizada uma vaca diferente. Ela está de lado, mas com a cara para frente; olhos enormes... essencialmente humanos. É magra, magra demais, até mesmo as tetas são pequenas, os ossos tornam-se predominantes por causa da magreza.
O essencial dessa vaquinha é o que não vemos. A vontade de que uma vaca apareça e por ali passe, mesmo que cabisbaixa, mas que ela aconteça. Mas ela esteve há tanto tempo ali, naquela placa, estagnada, petrificada pela vontade dos que viram apenas armamento bélico, questionada pelas crianças mutiladas por minas terrestres que restauram de uma época triste, tempo que houve disseminação das plantações, dos animais e de alguns humanos.

Realidade. 
Ainda acontecem reticências dessa guerra, pontos de minas que explodem no fundo de um quintal, na estrada ou no meio da mata.
Por isso, não há caminho seguro que leve ao paraíso de uma vaca gorda, com tetas grandes, olhando para o chão... pastando.
Na dor de ver e não ter, a placa foi retirada há pouco tempo, presente para meu legado de letras, para minhas escritas mais doloridas. A placa tombou no meio da saroba, símbolo da vontade, passou a ser luta vencida e doída.
Nova pastagem para essa vaquinha. A placa voou oceano e aterrissou no alto da serra do Mar. Lá está a vaquinha, na mesma posição, com o mesmo olhar esbugalhado de quem não sabe se é humana ou qualquer outra coisa que o valha; magra; em frente para o oceano que a separa da sua terra mãe.
Ao abrir a porta da cozinha me deparo com essa placa. Ela me faz repensar as desilusões da vida, ela me dá a certeza de que o mundo é o próprio Paraíso, pois as pessoas que viviam na busca da vaquinha, que viam nela uma realidade a ser conquistada, vivem em paz dentro do restolho de guerra imputada a elas; são felizes, sorriem, cantam, namoram, casam, tem filhos e os criam com amor; vivem com a certeza do que tem. Adaptaram-se aos limites impostos pela guerra.

Reflexão. 
Marcam os morteiros nas árvores, implodem as minas terrestres, queimam os Brucutus encontrados no deserto e acreditam na força da união. Uma realidade que essa placa de vaquinha me aponta e me faz repensar na ética do ter para tornar-se ser.
Olho em volta e vejo muito verde, o rio, a água encanada, as espigas de milho no campo, a comida borbulhando no fogão, a luz no poste em frente à porteira. Quantas facilidades, quanto conforto, quanta fartura material... penso na fartura espiritual, aquela que faz a diferença. Abro meus braços, sorrio para a vida, olho o vale entre as montanhas e vejo as nuvens que vêm do oceano. Envio um pensamento para meus amigos de além mar: 'Vocês me deram o ensinamento da vaquinha'.


Rita Elisa Seda 
é fotógrafa, pesquisadora e escritora. 
A crônica foi escrita no Sítio Nhá Chica



8 comentários:

Silvinh@ disse...

Rita Elisa, P A R A B É N S!!! Belíssima sua crônica!!! Quanta sensibilidade!!! Quanta lição de vida!!! Uma mistura de sentimentos: SIMPLICIDADE, HUMILDADE, AMOR, ALEGRIA, LEMBRANÇA, MEMÓRIA, EXPERIÊNCIA DE VIDA...TUDO DE BOM, MESMO!!! Suas crônicas nos faz refletir e rever muitos valores, que hoje em dia estão esquecidos, adormecidos, pelo SER HUMANO, que vive em função de SI MESMO!!! Um ser egoísta, mesquinho, vazio, sem amor a Deus e a própria vida!!! Infelizmente por conta das facilidades, do conforto, do bem estar próprio, da ganância; as pessoas esquecem do próximo, das necessidades do outro. Ficam cegos... Mas ainda TENHO ESPERANÇA no SER HUMANO, capaz de ser "HUMANO", de SER e FAZER AMIGOS!!! De DAR VALOR as COISAS ESPIRITUAIS, QUE FAZEM A DIFERENÇA, E MUITO. Capaz de se ver às necessidades do próximo, e de estender a mão. Capaz de voltar às suas origens e ver COMO A VIDA É BELA!!! COMO SER FELIZ NÃO É UMA BATALHA DE CARNE E OSSO, E SIM UMA QUESTÃO DE QUERER SER FELIZ E FAZER ÀS PESSOAS QUE ESTÃO AO NOSSO LADO FELIZES!!! Rita Elisa...Seja Feliz!!! Beijos, forte e carinhoso abraço!!! Sua SEMPRE amiga-irmã...Silvinha

Rita Elisa Seda disse...

Silvinha, essa placa me diz muito a respeito da humildade e dos valores reais para uma vida alegre. A alegria está onde está nosso coração, se damos mais importância para as coisas materiais ficamos sufocados pela angustia do querer mais e ter mais. Se damos maior importância para os bens da alma cultivaremos a alegria de viver, compartilhando emoções.
Beijos, felicidades, saúde e paz!

norália disse...

Nossa... querida Rita. Uma pequena plaquinha aqui e outra acolá, visualizadas por uma alma sensível que nos presentea com um texto de humanidade... Parabéns, Rita, por suas benditas palavras.
Abraços,
Norália

Rita Elisa Seda disse...

Norália, querida, saudades de sua presença marcante no Palavras de Seda. A placa da vaquinha me faz refletir a respeito do ser e do ter.
Felicidades para você amiga, apareça sempre! Beijos, saúde e paz!

anamariadiperes@gmail.com disse...

Querida amiga, placas iguais a essa é que nos mostra o verdadeiro sentido da luta da coragem e da conquista .BJS

Rita Elisa Seda disse...

Isso mesmo querida amiga Ana Maria. Essa placa me direciona para a conquista dos simples valores, da humildade! Beijos, felicidades, saúde e paz!

anamariadiperes@gmail.com disse...

querida madrinha, tudo que voce escreve é muito bonito . o GABRIEL vai ler fabulas para SEishum no Colegio Sant ANA .Estou com Saudades de voce um BEIJOS. GEOVANNA.

Rita Elisa Seda disse...

Querida afilhada Geovanna, que bom ler sua mensagem aqui no meu blog. Sei que o Colégio Santana adotou o livro Fábulas para Seishum, vou perguntar ao Gabriel se ele está gostando do livro, qual a fábula que ele gosta mais. Amo você, Gabriel e Ana Vitória, meus queridos afilhados.
Qualquer dia volto aí para Goiás, tá legal? Vou de "mala e cuia".
Beijos, felicidades, saúde e paz!