Amanhã, sim, ou melhor, depois de amanhã. Hoje não! Hoje não
quero.Quando o depois de amanhã se tornar hoje, então vou
querer. Ou talvez não.
Hoje estou cansado como o boi molenga que puxou o arado, ou
como o cachorro latindo na madrugada fria. Hoje não faço nada,
mas amanhã farei planos para depois de amanhã. Amanhã farei
planos para depois de amanhã plantar uma árvore, ou escrever
um soneto. Eu gosto de poesias, eu tenho vontade de escrever
poesias, mas hoje não. O teclado de meu computador olha para
mim e escreve: depois de amanhã.
Tenho vontade de pular e rir gargalhadas ocas e sem graças
como o palhaço do circo. Rir querendo chorar. Rir da própria
alma como se não tivesse alma. Mas hoje não!
Arrumo ferramentas para trabalhar, ferir a madeira e retirar dela
um pescador, ou uma Nossa Senhora Aparecida, ou um grão de
café. Hoje não, quem sabe depois de amanhã. Amanhã farei
planos.
Da estante cheia de livros a menina de Zusak me atrai, com a
mão cheia de livros, mas eu não a atendo, não quero ver a
história dos livros roubados, hoje não.
Fecho os olhos, mornamente, para sonhar, mas o sonho que vem
é de depois de amanhã. Hoje não sonho, e eu fico a olhar o teto
branco, o mesmo que verei, de novo, depois de amanhã.
O que tenho hoje é preguiça. Ela fica comigo agora e vou
encontrá-la de novo amanhã e depois de amanhã.
Fecho os olhos cansados em um corpo envelhecido como um
debilitado na espera. Hoje não, e amanhã também não. Depois
de amanhã... NÃO. Hoje, essa noite, apenas minha vontade louca
de olhar as estrelas mas as nuvens aparecem cobrindo-as todas,
me dizendo... hoje não.
IVON LUIZ PINTO
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